quinta-feira, 3 de março de 2016

DOIS PONTOS


Era uma vez um ponto. Ponto que era muito irrequieto e vivia à procura de companhia. Vivia num mundo de papel, habitado por letras e caracteres que nem sempre compunham bem. Nasceu de uma divisão (÷). O pai foi para um lado (.), a mãe foi para outro (-), mas ficou ao seu lado. No entanto, ele ficou por baixo (.). Sentiu necessidade de companhia nesse destino traçado.

Era ainda jovem, rebelde e se envolveu com muitos caracteres (alguns deles maus-caracteres). Conheceu o i, não deu certo, era muito imbecil. Conheceu o j, foi um saco, era jovem demais, muito juvenil. Conheceu a interjeição (!), foram felizes por um tempão, mas não deram certo não; a interjeição não aceitava indagação e se transformou numa interrogação. Com tal questão sobre si, o ponto resolveu sair por aí. E conheceu a vírgula. Era muito boa companheira, mas sempre que se juntavam, se desentendiam; a vírgula queria continuar, o ponto querendo de vez parar. E, desse ponto de vista, ponto e vírgula não deram certo.

Depois dessa, o ponto dormiu no ponto e não quis se envolver com mais ninguém. Se alguma letra quisesse com outra se juntar, lá vinha o ponto a parar. Era um estraga prazeres, acabava sempre com a última palavra e terminava a sentença. Estava muito rebelde o ponto. Fazia o que queria. Se alguém quisesse dizer: “Eu te amo”, pronto, o ponto aparecia antes que um nome surgisse.

A vida estava ficando fora de tom para o ponto. Como queria conhecer alguém interessante!

Mas, um belo dia, apareceu alguém igualzinho ao ponto. Era um outro ponto. Cara de um, ponto do outro. Foi amor à primeira teclada. O ponto olhou para o outro e no coração sentiu uma pontada. Assim, se uniram com muito amor, formando dois pontos. E como se davam bem. Jamais cortavam a dos outros. Desde que se uniram, sempre deixavam que as letras falassem mais, pois, ao invés do ponto solitário, que parecia um sinal vermelho, interrompendo o fluxo das frases, eles juntos exigiam complemento. Foi uma união completa.

Foi uma união tão completa que esta história de amor não poderia ter um ponto final. Não. Pois quando dois pontos se unem, todos sabem o que acontece:

Dilton Cardoso

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